Conteúdos da Caixa

junho 23, 2024

haikais

 




Na boca o sabor

De muitos beijos roubados.

Garrafas vazias.

Vagando seus lumes

Pequeninos pirilampos.

Noturnas pipocas.

Triste, a liberdade

Em uma gaiola canta.

Um pássaro mudo.

As gotas silentes

Bailam nas folhas douradas.

Lágrimas de outono.

Estrelinhas dormem

Cobertas por brancas nuvens.

Orvalho de luz.


junho 18, 2024

QUADRAS

 


CAMINHADA

Vejo o velho na criança

Começando a caminhada

Quanto mais a idade avança

Mais curta é sua jornada.

**

A vida, meu companheiro

É uma longa caminhada

E o destino tão matreiro

Cobra pedágio na estrada.

**

De sua terra distantes

Sempre em longa caminhada.

Os andarilhos errantes

Já são poeira da estrada.

**

É perdida a caminhada

Para quem quer encontrar

Felicidade sonhada.

Não há mapas do lugar.

**

Raposa desapontada

Diz que a uva está verde.

Perdeu sua caminhada

E quase morre de sede.


junho 15, 2024

TROVAS

 


Trovinha Junina

Santo Antônio, meu santinho,

Em nome de Jesus criança

Faça aquele ex-maridinho

Devolver a aliança ..

Sertanejas em Dueto

    Daguinaga:


O luar do meu sertão

Além da luz tem bom cheiro

A Lua causa a impressão

De ser um queijo mineiro!

Augustus Vinícius


Oxente, que coisa boa,

Luar que tem cheiro bão!

eu, que me convenço à toa,

corro já pro seu sertão.


    Daguinaga


Além do queijo mineiro

Meu sertão tem goiabada

É lugar hospitaleiro

Bote já o pé na estrada ...

Augustus Vinícius


Pois olha que boto mesmo,

não só o pé, todo o resto,

vou querer queijo e torresmo,

e doce pra encher um cesto.

    Daguinaga


Mais de um cesto é bom trazer

Nesta visita ao Sertão

Pra tantos doces caber

É melhor um caminhão!


junho 08, 2024

 

Bizarra.

Gorda como um tonel. Uma papada de frei franciscano glutao. Bochechas proeminentes, nariz parecendo um caroço de abacate, olhos dois pontinhos azuis - como cabeça de alfinete. Mãos gordas, como luvas de borracha cheias de ar, as unhas roídas e as pontas dos dedos assemelhadas ao soquete de pilar alho.

Cabelo liso, engordurado deixava as orelhas de abano em evidência

O pescoço grosso como uma coxa, e as coxas dois pilares como as pernas dos elefantes.

Usava óculos fundo de garrafa de lentes esverdeadas. De bullying não sofria, porque os colegas da escola temiam levar bofetadas. A professora a temia, também, ignorando-a completamente.

Maria Bolacha se julgava onipotente, dizia ser auto suficiente, não precisava de ajuda, todavia tinha dificuldades em solucionar os exercícios e os copiava de colegas. Estes não lhe negavam ajuda, menos por solidariedade, mas por medo. 

Certo dia, Maria Bolacha escorregou em um piso molhado, caiu sentada e não conseguiu se levantar. Os colegas fizeram um círculo ao seu redor, apenas observando seu esforço. A coitada transpirava,  resfolegava, girava para um lado e outro, tentava se ajoelhar com o apoio das mãos, contudo não conseguia erguer-se. Os funcionários homens tentaram, em vão, erguê-la do solo.

A diretora da escola decidiu chamar por socorro, da Defesa Civil ou do Corpo de Bombeiros. A Defesa Civil se apresentou trazendo um guindaste. Os homens a fixaram com correias e a içaram. Ela, com vertigem de altura, esperneava, parecia um pêndulo a despencar a qualquer momento. Lentamente foi baixando até chegar ao chão.Todos aplaudiram, não se sabe pelo êxito da operação ou pelo espetáculo circense oferecido por Maria Bolacha.

Ela se ausentou da escola por vários dias. Um boato corria noticiando que ela estava hospitalizada em estado de choque.

Quando retornou, aparentava ser outra pessoa. Permanecia gorda, todavia o seu temperamento estava mudado. Tentou aproximar-se dos colegas com humildade e delicadeza. Trouxe flores para a professora. Estava gentil e colaborativa. Todavia na escola todos estavam como se dizia ‘um pé atrás’. Precisavam de tempo para confirmar mudança tão radical em poucos dias.

 

Os anos passaram, a turma se dispersou, Maria Bolacha desapareceu. 

 

Um dia, a TV anunciou uma nova novela. Uma atriz coadjuvante faria o papel de Dona Rotunda, a ex-colega Maria Bolacha, com seu nome verdadeiro - Natasha.

No final da novela, Dona Rotunda deveria explodir, todavia, em respeito aos direitos humanos, a Secretaria da Moral e dos Bons Costumes censurou a cena da explosão, substituída pela de Dona Rotunda subindo ao céu como um balão. 

 


junho 07, 2024

O ORELHÃO

 

Houve uma época em que as pessoas se comunicavam por sinais de fumaça, por pombos correios, mensageiros, cartas, telex, telegramas, fax e o telefone. As casas mais prosperas tinham seus aparelhos como objetos de luxo. Eram necessárias as telefonistas para fazer as ligações. Interurbanas e internacionais levavam horas para serem completadas. A telefonia evoluiu com a instalação de telefones públicos, aos poucos distribuídos em quase todas as cidades do território nacional, geralmente instalados em locais públicos. Fichas telefônicas eram utilizadas, depois surgiram os cartões telefônicos que se transformaram em peças de colecionadores. Enfim surgiu o Orelhão.

 

Antes de falar sobre esse herói, devo lembrar a evolução do próprio aparelho. Surgiram os modelos sem fio, e os aparelhos para uso individual. Precursores dos smartphones, ou telefones celulares, eram aparelho grandes e pesados, de cor preta. Serviam apenas para as conversas telefônicas. Foram substituídos por modelos mais sofisticados que permitiam a troca de mensagens escritas, ou gravadas em áudios; foram incluídos receptores de rádio - substituíam os ‘radinhos de pilha’ (muito populares) e, em seguida com a introdução de câmeras fotográficas, a postagem de fotografia e, pouco tempo depois a elaboração de vídeos, e as conversas por ‘vídeos conferencia’. Surgiram os aplicativos possibilitando acesso aos serviços de Taxis e Uber, e mais adiante, acesso a contas bancárias, agendamentos e aos serviços de entregas em domicilio. Também surgiram os golpes por telefone (essa é outra história).

 

Com o acesso aos aparelhos celulares, os Orelhões caíram em desuso. Em seu auge de funcionamento eram disputadíssimos. Formavam-se filas enormes para usá-lo. Causava irritação quando não funcionavam pela falta de manutenção.

Era

comum observar os operários das companhias telefônicas fazendo reparos. As caixas continham uma quantidade de fios coloridos. Os pedaços descartados, muitas vezes eram recolhidos por pessoas que os transformavam em pulseirinhas trançadas. Os fios maiores, dos cabos telefônicos descartados, eram reutilizados como varais de roupas, ou amarrações diversas.

 

Com a generalização e vulgarização dos smartphones - os celulares, os Orelhões caíram em desgraça, muitos foram recolhidos, tornando-se raridades ou relíquias. Quando me mudei para a casa em que resido, há mais de vinte anos, pedi a instalação de um Orelhão praticamente dentro do meu jardim, embora tenha construído uma cerca de madeira reservando o espaço de sua instalação. Na ocasião, eu queria tê-lo disponível para clientes do meu atelier onde eu mantinha,

além das aulas de desenho e pintura, uma pequena cafeteria. Tempos depois, ao refazer com tela metálica a cerca, solicitei a companhia telefônica que o removesse. Apenas o removeram do local, o recolocando recuado na calçada. O Orelhão continuava funcionando, com manutenção regular. Era utilizado muitas vezes por pessoas sem acesso aos seus celulares, por motivo da bateria estar descarregada, sem acesso ao sinal ou wi-fi, já disponível.

Ouço sua campainha tocando insistentemente, confesso que fiz pouco uso dele porque eu mantinha um telefone fixo.

 

Certa vez, vieram trocar a cobertura do Orelhão - a companhia telefônica passou para outro dono, e me ofereceram a antiga. Aceitei imediatamente, com o propósito de transformá-lo em ‘ofurô’, todavia não havia espaço suficiente no banheiro para sua instalação. Ficou guardado até outra solução. O aparelho substituído já tinha sido lavado e repintado por mim por estar sujo e rabiscado. Tive o cuidado de manter sua cor original. O novo Orelhão tinha outra cor e a logomarca da empresa.

Passou anos no mesmo lugar, de vez em quando era utilizado por motoristas precisando de auxilio, por motoboys e pedestres. Surpreendia-me o fato de nunca ter sido vilipendiado e danificado. Por ocasião do Natal resolvi lavá-lo, com ajuda de ‘sêo’ João. Mangueira de água para acesso, detergente, escova, vassoura e panos limpos foram empregados em sua limpeza.

Ficou reluzente e em destaque.

É o único Orelhão existente no entorno, e em pleno funcionamento. As pessoas surpreendem-se ao vê-lo soberbo na calçada, disponível para as emergências e talvez agradecido a mim por tê-lo salvo do desaparecimento.


junho 06, 2024

borbulhando

 


a idade pesa, para alguns

não há regime ou dieta para perder esse peso
digo que o tempo nao marcha,
ele galopa
corcel arabe, indomável ...

revendo algumas fotos dos últimos dez anos
percebi o quanto envelheci
ou ganhei mais sabedoria ...

perdi massa muscular
as rugas, como teias, maquiaram minha face
os cabelos, outrora tingidos de vermelho, estão grisalhos - costumam me perguntar se faço "luzes", ainda não estão branquinhos como algodão

faço Pilates, a conselho do médico
minhas articulações funcionam sem dores,
meu problema e muscular
tenho 'bunda mole' como as amigas dizem ...

comparo-me com as contemporâneas
estão mais 'detonadas' que eu,
outras tomam trocentos remédios
hipertensas, insones, deprimidas ...
estou otima carregando meus tres quartos de século

sinto-me feliz
ainda tenho sonhos - ver meus filhos felizes e amigos entre si, sem magoas

nao gosto de aconselhar, dou sugestões

não dou espaço ao tédio
ocupo-me
preencho meu tempo livre (infinito) com atividades prazerosas

olhar pro ceu e tentar localizar o Cruzeiro do Sul - a iluminação feérica da cidade e um desafio
    (adoro os 'blackouts' - vejo pirilampos)
aprecio os relâmpagos ao longe - em algum lugar estará chovendo e talvez destruindo ...

ver germinar sementes - talvez nao colheremos - mas é delicioso ver o caroço do abacate soltar a  raiz ... carocinho de maça, no algodão, somente para ver germinar

acompanho trilhas de formigas

observo passarinhos. recolho ninhos derrubados pelo vento e os recoloco nos galhos, mesmo sabendo que jamais serão reutilizados

quando as coisas parecem pior, fora do meu controle, tenho na geladeira um frisante branco e fico olhando as borbulhas ...

a vida e uma enorme borbulha

tintin

 

 

meu notebook nao fala portugues, dai nao acentuar as palavras

não sei configurar

 

im' so sorry

 

 

 


 

daguinaga

junho 05, 2024

outono

 


 

brisa perfumada

folhas amareladas

caídas ao chão



 

                         

                     

                    

 


junho 04, 2024

ensueños

 


un sueño dorado

 un punto rojo

 el reverso del espejo

 una sonrisa

 y mas nada...


 soñar despierto

 una sonrisa dorada

 un punto en el espejo

 el lado rojo

 y mas nada ...


 sueño despierto

 el espejo rojo

 una sonrisa de adentro hacia afuera

 un punto dorado

 y mas nada ...



devaneios

 

     um sonho dourado 
     um ponto vermelho
     o avesso do espelho
     um sorriso
     e mais nada...

 

       

        

           sonhar acordado
          um sorriso dourado
          um ponto no espelho
          o avesso vermelho
          e mais nada ...

 

                    acordado sonhar
                    o espelho vermelho
                    um sorriso do avesso
                    um ponto dourado
                    e mais nada ...


junho 01, 2024


VOVÓ

 

A vovó foi uma pessoa singular, às vezes bizarra, muito ativa, muito esperta e muito inteligente. Julgo interessante falar sobre ela, porque as avós de hoje não são como as antigas. Hoje, são modernas, saradas, vaidosas, fazem plástica, ginástica, hidromassagem. Não estou reclamando, acho ótimo o que a medicina e a tecnologia fazem para nos manter longevos saudáveis.

A vovó, pessoa singela, adorava perfumes fortes e gostava de comer às escondidas punhados de comida usando as mãos, como os árabes.

Ela costumava dormir no horário das galinhas e acordar com o galo cantando. Parece que eu herdei esse hábito, porém não falarei de mim e, sim, de vovó.

 

Sobre suas amigas, o que lembrar vou falar.

Dona Sinhá, Ana Marta, Zélia, a moça cega, Dona Cátia, a mãe e Canhoto, o pai e caseiro do sítio, onde a vovó e vovô costumavam passar os fins de semana, hoje é minha casa. La, vovó criava porcos em parceria (de meia, como se dizia à época).

O vovô cultivava flores e bulbos, presenteados por seus amigos, padres holandeses que mantinham a igreja católica e um colégio, onde um dos meus tios foi professor de matemática. Não falarei do meu avô também.

As amigas da minha avó, as mulheres que frequentavam a casa eram bizarras também. Dona Sinhá, sempre vestida com saias longas pretas, usava um coque e não era grisalha, tinha as mãos grossas e ásperas. Ana Marta, a filha do farmacêutico, tinha a voz grave, quase rouca, olhos enormes e uma mancha roxa na perna por causa de um chute de um dos irmãos. Edith, mulher muito alta, rosto quadrado, cabelos muito louros, claríssimos. Alemã e polonesa, não me recordo a nacionalidade. Tinha sotaque.

As tias, cunhadas da vovó, visitavam o vovô, o irmão. Uma muito surda, a outra muito enfeitada e maquiada, usava sobrancelhas muito finas, parecia ter rosto de boneca de louça.

 

Vovó foi professora primária em escola pública, na época em que os professores eram valorizados, uma profissão considerada nobre. Meu avô foi músico, regente de banda, compositor e clarinetista, até formar-se guarda livros ou contador, como se diz hoje (acho que foi boêmio, todos negam), era vovó o sustento da família com o seu trabalho, o casal teve treze filhos, três faleceram crianças. Além dos filhos, acolhia sobrinhos e agregados.

 

A minha bisavó , também foi pessoa interessante, tenho dela poucas lembranças. Sei apenas que a vovó cuidou dela, até ser substituída por uma de minhas tias maternas. Soube que tinha escravas a seu serviço, era sistemática, cega precisava de ajuda, passando dia e noites na cama. Faleceu pacificamente aos noventa e tantos anos de idade.

Uma pessoa que fez parte desse meu mundo com vovó foi o balconista de farmácia, que frequentava a casa de vovó, para aplicar injeção em outra tia. Ela fazia um escândalo quando precisava do medicamento injetável. A farmácia pertencia ao pai de Marta, o senhor Pifano. Na sua casa existia um piano que me deixava maravilhada, embora nunca tenha ouvido qualquer som proveniente dele. Era um enfeite. Eu soube, tempos depois, que ele foi vendido.

Outra pessoa da qual me lembro era um dos irmãos de vovó, ou melhor eu me lembro dos quatro irmãos e da sua irmã. Um deles, de nome complicado, apelido Noca, vinha de São Paulo, da cidade de Mogi das Cruzes onde era professor, não sei de quê. Outro irmão chamava-se tio Zelo, outro era Tio Domingos, outro tio Nande, pessoas muito bizarras. A Irmã de vovó, a visitava sempre com a filha acompanhada da prima. Pareciam gêmeas.Despertou minha atenção o tipo de roupa que elas usavam, blusas lindas com decote no pescoço e saias

longas.

 

Alguém que eu me lembro desta época é o pai da vovó, meu bisavô. Foi, segundo contava minha mãe, um tropeiro na época da mineração em Minas Gerais. Não sei se o trabalho de tropeiro consistia na venda dos animais usados para transporte de cargas ou se ele era um dos transportadores. A única lembrança que tenho dele é do seu velório na sala. A casa tinha um alçapão que levava ao porão. Tive curiosidade em saber o que havia lá embaixo, porém nunca me deixaram descer. Hoje esta casa, com seu enorme quintal, cedeu lugar a um condomínio residencial, os herdeiros não se entenderam sobre a herança, o imovel foi vendido barato.

 

Outra lembrança que guardo da vovó, a de servir café e pão aos operários da prefeitura que calçavam a rua na época.

Outro hábito da vovó era acordar para assistir a missa diária, vestida com um casaco preto, forte perfume e os cabelos brancos presos num coque, ainda de madrugada. Saia mais cedo do que o sol surgir. Dizemos que ela queria abrir a porta da igreja para o padre.

Vovó gostava de cuidar das plantas na sua casa, um hábito que herdei.

Outra boa lembrança de vovó é a comida preparada no fogão a lenha, o feijão socado sobre o alho dourado na gordura de porco.

 

Em outro dia contarei mais…