Conteúdos da Caixa

junho 01, 2024


VOVÓ

 

A vovó foi uma pessoa singular, às vezes bizarra, muito ativa, muito esperta e muito inteligente. Julgo interessante falar sobre ela, porque as avós de hoje não são como as antigas. Hoje, são modernas, saradas, vaidosas, fazem plástica, ginástica, hidromassagem. Não estou reclamando, acho ótimo o que a medicina e a tecnologia fazem para nos manter longevos saudáveis.

A vovó, pessoa singela, adorava perfumes fortes e gostava de comer às escondidas punhados de comida usando as mãos, como os árabes.

Ela costumava dormir no horário das galinhas e acordar com o galo cantando. Parece que eu herdei esse hábito, porém não falarei de mim e, sim, de vovó.

 

Sobre suas amigas, o que lembrar vou falar.

Dona Sinhá, Ana Marta, Zélia, a moça cega, Dona Cátia, a mãe e Canhoto, o pai e caseiro do sítio, onde a vovó e vovô costumavam passar os fins de semana, hoje é minha casa. La, vovó criava porcos em parceria (de meia, como se dizia à época).

O vovô cultivava flores e bulbos, presenteados por seus amigos, padres holandeses que mantinham a igreja católica e um colégio, onde um dos meus tios foi professor de matemática. Não falarei do meu avô também.

As amigas da minha avó, as mulheres que frequentavam a casa eram bizarras também. Dona Sinhá, sempre vestida com saias longas pretas, usava um coque e não era grisalha, tinha as mãos grossas e ásperas. Ana Marta, a filha do farmacêutico, tinha a voz grave, quase rouca, olhos enormes e uma mancha roxa na perna por causa de um chute de um dos irmãos. Edith, mulher muito alta, rosto quadrado, cabelos muito louros, claríssimos. Alemã e polonesa, não me recordo a nacionalidade. Tinha sotaque.

As tias, cunhadas da vovó, visitavam o vovô, o irmão. Uma muito surda, a outra muito enfeitada e maquiada, usava sobrancelhas muito finas, parecia ter rosto de boneca de louça.

 

Vovó foi professora primária em escola pública, na época em que os professores eram valorizados, uma profissão considerada nobre. Meu avô foi músico, regente de banda, compositor e clarinetista, até formar-se guarda livros ou contador, como se diz hoje (acho que foi boêmio, todos negam), era vovó o sustento da família com o seu trabalho, o casal teve treze filhos, três faleceram crianças. Além dos filhos, acolhia sobrinhos e agregados.

 

A minha bisavó , também foi pessoa interessante, tenho dela poucas lembranças. Sei apenas que a vovó cuidou dela, até ser substituída por uma de minhas tias maternas. Soube que tinha escravas a seu serviço, era sistemática, cega precisava de ajuda, passando dia e noites na cama. Faleceu pacificamente aos noventa e tantos anos de idade.

Uma pessoa que fez parte desse meu mundo com vovó foi o balconista de farmácia, que frequentava a casa de vovó, para aplicar injeção em outra tia. Ela fazia um escândalo quando precisava do medicamento injetável. A farmácia pertencia ao pai de Marta, o senhor Pifano. Na sua casa existia um piano que me deixava maravilhada, embora nunca tenha ouvido qualquer som proveniente dele. Era um enfeite. Eu soube, tempos depois, que ele foi vendido.

Outra pessoa da qual me lembro era um dos irmãos de vovó, ou melhor eu me lembro dos quatro irmãos e da sua irmã. Um deles, de nome complicado, apelido Noca, vinha de São Paulo, da cidade de Mogi das Cruzes onde era professor, não sei de quê. Outro irmão chamava-se tio Zelo, outro era Tio Domingos, outro tio Nande, pessoas muito bizarras. A Irmã de vovó, a visitava sempre com a filha acompanhada da prima. Pareciam gêmeas.Despertou minha atenção o tipo de roupa que elas usavam, blusas lindas com decote no pescoço e saias

longas.

 

Alguém que eu me lembro desta época é o pai da vovó, meu bisavô. Foi, segundo contava minha mãe, um tropeiro na época da mineração em Minas Gerais. Não sei se o trabalho de tropeiro consistia na venda dos animais usados para transporte de cargas ou se ele era um dos transportadores. A única lembrança que tenho dele é do seu velório na sala. A casa tinha um alçapão que levava ao porão. Tive curiosidade em saber o que havia lá embaixo, porém nunca me deixaram descer. Hoje esta casa, com seu enorme quintal, cedeu lugar a um condomínio residencial, os herdeiros não se entenderam sobre a herança, o imovel foi vendido barato.

 

Outra lembrança que guardo da vovó, a de servir café e pão aos operários da prefeitura que calçavam a rua na época.

Outro hábito da vovó era acordar para assistir a missa diária, vestida com um casaco preto, forte perfume e os cabelos brancos presos num coque, ainda de madrugada. Saia mais cedo do que o sol surgir. Dizemos que ela queria abrir a porta da igreja para o padre.

Vovó gostava de cuidar das plantas na sua casa, um hábito que herdei.

Outra boa lembrança de vovó é a comida preparada no fogão a lenha, o feijão socado sobre o alho dourado na gordura de porco.

 

Em outro dia contarei mais…

 


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