A GREVE DOS PUTOS
Uma bela ilha, lá pelos lados da Grécia ou da Turquia.
Uma Cidade-Estado governada por um Tirano. A estratificação social era rígida. A população dividida entre nobres, servidores públicos (militares de alta patente e administradores) e a ralé composta pelos agricultores, pescadores e os escravos (prisioneiros de guerra ou criminosos).
O tirano era assessorado por um Conselho formado pelos servidores públicos mais antigos, já idosos - os ‘veneráveis’.
As mulheres e suas filhas eram também segregadas, em função de sua classe social. As aristocratas e suas serviçais eram confinadas ao ambiente doméstico. Serviçais eram recrutadas dentre as esposas dos militares.
As ‘damas’ eram as esposas dos generais e as ‘domésticas’, selecionadas dentre as esposas dos demais militares de menor patente.
Os administradores eram responsáveis pelos serviços públicos essenciais, como educação, saúde e abastecimento
Os meninos e os rapazes eram também repartidos em grupos: os belos – denominados ‘mancebos’ eram destinados ao serviço dos nobres; os fortes e vigorosos eram destinados ao serviço militar; os demais, filhos de agricultores ou pescadores seguiam a profissão dos pais. Os escravos eram a mão de obra para serviços públicos, como manutenção de estradas, abastecimento de água e combustível, transporte etc.
Os militares formavam uma casta especial; o conselho de guerra, formado pelos generais, os capitães e os infantes, que compunham as tropas.
E por fim, a categoria dos ‘putos’. Geralmente esposas de escravos, mancebos homossexuais ou voluntários oriundos das classes inferiores. Os prostitutos da Ilha.
O povo, entenda-se, a classe baixa estava cada dia mais insatisfeita com os rumos do país nas mãos do tirano. Sempre em guerra para aumentar seus domínios, apoiado pelos nobres e os generais, os componentes do governo.
As mulheres, suas damas e as serviçais também manifestavam descontentamento com o modo como eram tratadas pelos homens. A ralé, conformada, seguia sua vidinha, produzindo e abastecendo a ilha com sua produção, tanto para o consumo, como para o comércio com outros mercados. Os administradores dos serviços públicos não se envolviam com a política, entregue aos assessores militares. O conselho de anciãos era meramente decorativo.
Um incipiente movimento de revolta evoluía clandestinamente, liderado pelos ‘putos’ homens e mulheres. Alguns serviçais domésticos participavam, bem como alguns soldados e poucos ‘mancebos’.
Uma dama, serviçal da esposa do tirano, tinha um mancebo como amante. Ele fazia parte do movimento. Pedindo segredo, contou para ela, que ficou muito interessada em participar. Estava farta do marido machão.
Aos poucos outras pessoas, também revoltadas, passaram a integrar o movimento. Seus lideres eram dois ‘putos’, um ‘mancebo’ homossexual e uma prostituta.
Cada dia mais gente se integrava ao movimento. As reuniões ocorriam na caverna que serviu de calabouço e cemitério para os desterrados do regime. Foi abandonado após a construção da imensa fornalha para incineração dos corpos, de inimigos ou não.
As escolas funcionavam apenas para os filhos da aristocracia e dos militares; uma para meninas e outra para meninos. Quando alcançavam a maioridade, eram mandados para universidades no estrangeiro ou nomeados embaixadores. Muitos não retornavam ao país e eram desterrados pelo tirano.
Os soldados tinham educação e treinamento especial em colégio militar. Desertores eram punidos com enforcamento.
As crianças da plebe não frequentavam escola alguma. Eram alfabetizados às escondidas ou aprendiam ofícios com os pais.
Algumas meninas eram recrutadas pelas damas da aristocracia para aprender a tecer, bordar e costurar. As sobras de tecidos eram aproveitadas para a confecção de roupas para a população. Não havia comércio, somente a troca de mercadorias. Por exemplo, seis batatas por uma saia.
Havia ainda impostos a pagar pela população. Pagos com os produtos das colheitas e do artesanato.
Os putos atendiam apenas aos nobres e aos militares graduados, os demais deveriam pagar pelos serviços.
O movimento foi se consolidando, fortalecido com a participação das mulheres da nobreza, suas damas e serviçais. Permanecia secreto. O tirano não confiava no serviço de inteligência, apenas em seus militares, os quais eram desprovidos das informações relevantes para a segurança da Ilha.
Safena, a principal líder feminina, com a colaboração dos ‘seniores’ mantinha completo controle do movimento: foram estabelecidos metas, objetivos e ações requeridas para o seu êxito.
Metas: derrubar o tirano e extinguir o sistema de castas; objetivos: restaurar a democracia e devolver o poder ao povo.
As ações foram delineadas em função do resultado da primeira: uma greve de sexo, apoiada por unanimidade em assembleia. Estavam suspensas as relações sexuais por determinado período.
As mulheres nobres e damas deixaram de aceitar amantes e maridos em seus leitos, bem como as domésticas e serviçais.
As esposas dos militares aderiram à greve.
Os mancebos, sob pena de punição se recusavam a atender os homens. Foram desterrados, com promessa de anistia, caso voltassem ao serviço.
As prostitutas queimaram colchões e espalharam percevejos nos puteiros. As escolas foram fechadas.
Os infantes encharcaram os depósitos de munição.
Os dias transcorriam e a greve se mantinha firme e forte.
Os homens resolveram importar mulheres, contudo, avisadas do que ocorria na Ilha distópica, solidarizaram-se com os grevistas, recusando a imigração. Por pouco não foi declarada a guerra ...
O tirano reuniu-se com o Conselho de Anciãos, não apresentaram solução alguma, há muito se desinteressaram da atividade sexual, pois perderam a libido com a idade e não existia Viagra à época ou alguma erva afrodisíaca acessível.
O Conselho Estratégico também não apresentou um plano de enfrentamento da crise; não eram treinados em Guerra Psicológica.
O tirano sentia-se impotente para resolver o impasse gerado pela greve. Desconhecia o motivo, julgando ser alguma epidemia introduzida por algum vírus externo – uma arma biológica do inimigo. O serviço de saúde omitiu-se.
Seu principal confidente, um mancebo, refugiou-se na escola militar, temendo ser assassinado. Viu-se realmente em apuros.
Enquanto a greve durava, a economia desabava. As importações e exportações paralisadas, as lavouras abandonadas, os buracos nas estradas se ampliavam, o mato crescia nos acostamentos; os combustíveis escasseavam e a água estava impropria para consumo doméstico. O caos se instalava, contudo, a população se mantinha firme no movimento transformado numa greve geral.
O tirano resolveu fazer uma convocação. Pediu ao povo a eleição de um representante de cada estrato da sociedade para uma reunião. O assunto seria discutido e as propostas de solução encaminhadas para votação em plenário.
A líder feminina, Safena, foi eleita Presidente da Delegação de Representantes. Acompanhada dos demais delegados eleitos compareceu à reunião com o tirano, exigindo que os Conselhos ficassem ausentes.
As reinvindicações da população foram apresentadas, o tirano ficava cada vez mais vermelho, espumava de raiva. Com um gemido, caiu ao chão numa apoplexia fulminante.
Calmamente, a líder deu entrada aos Conselheiros na sala, o médico foi convocado atestando o óbito; a esposa do tirano era uma das delegadas eleitas e declarou vago o cargo de Presidente. Foi eleita Regente pelos pares, por um período de três meses, para organizar a eleição da Assembleia Nacional Constituinte, encarregada de elaborar a Carta Magna e escolher um novo Presidente.
Dito e feito.
Safena foi eleita Deputada Constituinte.
Meses depois, Constituição foi promulgada, elegeram o Presidente, candidato oriundo do Desterro. Uma Câmara Federal foi instalada.
Mancebos foram anistiados, escravos libertados e criminosos julgados.
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