Escrevo sem datar e isto será um problema no
futuro quando as lembranças se embaralharem. Um dia escrevo, outro dia anoto
sem me preocupar com a cronologia dos fatos. Escrevo para mim mesma, sem
preocupações de estilo ou com prováveis leitores.
Acontecimentos ocorridos deixam de ser
registrados no papel por confiar na memória e eles se perdem no tempo. Parecem
sonhos dos quais restam poucos fragmentos. Faço um esforço para recordar
alguns, porém temo criar ficção ou fantasia ao tentar reuni-los num texto
coerente.
Tenho dificuldade de guardar nomes e
facilidade para reconhecer fisionomias.
Em horas ociosas procuro por lembranças
remotas: o bolo de meu segundo aniversário e a toalha da mesa, o batizado da
boneca no jardim de infância, uma viagem de trem, o hotel barato e o balanço na
pracinha, o patinete e a primeira bicicleta, o caminho a pé para a escola, a
pasta de livros pesados, a fanfarra do colégio, o primeiro namoro escondido, o
baile de calouros da faculdade, o primeiro beijo e o primeiro cigarro.
Lembranças ruins vieram à tona nas sessões de
análise e me fizeram chorar. Eu não preciso escrever sobre elas e ninguém
precisa se condoer ou se emocionar. Estão arquivadas para sempre e descansam em
paz.
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